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Fatos e Delírios - Guillermo Piernes
Hechos y delirios
Capitulo 16 - Golfe, sim

05/10/2022 00:00




­Capitulo 16 - Golfe, sim        (2021)
 
Cada tacada prova que o grande adversário está dentro de nós. Um jogo fascinante, onde a maioria se comporta com integridade, como deveria sempre e em todo lugar.

A Gazeta Mercantil buscava ser um jornal completo para os empresários. Além de informação precisa sobre todos os campos da economia e da política, queria atender também as inquietudes culturais e paixões esportivas dos seus leitores.

Contribui com a idéia de criar uma coluna de golfe dirigida aos empresários e executivos golfistas. O presidente da Gazeta, Luiz Fernando Levy, gostou muito porque aproximaria mais os leitores do periódico, assim como as excelentes colunas sobre vinhos, gastronomia e turismo. 

Também comentou que da mesma forma, poderia atrair um bom fluxo publicitário. 

Expliquei que eu mesmo poderia assinar a coluna, por ser jogador de golfe por décadas e conhecer os leitores do jornal. Ofereceu-me uma participação nos anúncios como remuneração por escrever uma coluna semanal. Rejeitei com o argumento que misturar comércio com jornalismo acabaria com a minha credibilidade profissional. Fechamos um entendimento de uma excelente remuneração.

Além de contribuir com as finanças pessoais, a coluna era uma oportunidade de ficar menos envolvido com política e economia e de desfrutar mais do hedonismo, saúde e sabedoria do mundo do golfe. Continuei redigindo a coluna "Diplomacia e Negócios", para o caderno regional de Brasília, muito lida nas embaixadas dos países, com os quais Brasil tem relações diplomáticas.

A coluna foi um sucesso. Mostrei que alem de esporte, o golfe é uma escola para os empresários e executivos praticantes. Que jogar golfe melhora a capacidade de lidar com frustrações - oito por cento das tacadas são insatisfatórias - o que ensina a ter humildade, perseverança e foco para seguir adiante.

O golfe tem ensinamentos para todos, os que pegam no taco e os que jamais pisaram num campo. Cada tacada prova que nossos grandes adversários estão dentro de nós: O medo, a insegurança, a indecisão, o preconceito.

É fascinante que no golfe o próprio jogador é o seu árbitro. A maioria dos golfistas se comporta no campo como deveria ser sempre, em todo lugar: honesto e respeitoso com os parceiros, as regras, a Natureza. O golfista desonesto tem dificuldades para encontrar parceiros com quem jogar.

Imaginemos que um futebolista peça que seja marcado um penal contra o seu próprio time por ter cometido uma falta que ninguém percebeu. No golfe acontece o tempo todo. Por isso, é um jogo que desafia empresários e executivos acostumados ou precisam de grandes desafios. Um jogo que nos ajuda a ser melhores por essas provas periódicas para testar honestidade, na sua mais ampla acepção.

O golfe também ascende paixões, como num conto meu que bem poderia ser crônica por ter sido um fato. Cada detalhe dessa crônica que me levou a escrever o conto foi relatado a este escriba por dois dos protagonistas, um irmão e a protagonista central. Aqui o conto...

Duas paixões

Reila, morena de derreter o asfalto, morava com Tião no Rio das Pedras, a alguns quilômetros do clube Itanhangá, no Rio. Ele trabalhava cuidando do campo e jogava no dia de folga. Reila tinha todas as qualidades femininas e duas características: era compulsiva por limpeza e ciumenta.Tião tinha um monte de defeitos dos homens e duas paixões: a morena e o golfe.

Durante muito tempo, Tião foi juntando bolas de golfe perdidas no campo. Era seu orgulho, além de ver os outros homens se engasgarem ao assistir o rebolado caminhar da sua morena. Quase 1.200 bolas de golfe. Todas brancas e limpas, guardadas num canto da sala.

Quando você vai tirar esse lixo da sala, era a pergunta cotidiana que Tião escutava enquanto lavava e escovava as bolas, que às vezes acariciava com um pano até recuperarem o brilho.

Ao fazer a limpeza geral perto do fim do ano, Reila ordenou:
-Tira esse lixo, já!

Tião fez de conta que não ouviu, enquanto fazia a barba antes de ir jogar o seu golfe semanal. A morena empurrou a caixa até a janela, levantou-a com muito esforço e lançou as bolas na rua. Tião correu até a janela e viu suas bolas de golfe quicando e rodando ladeira abaixo, livres, soltas.

Cego de raiva, mas bem equilibrado nas pernas semiflexionadas, girando os ombros e completando o swing, Tião deu um tapa na mulher amada. O primeiro e o último. Mas deu. A morena caiu sentada no chão.
Tião ficou imóvel no meio da sala, petrificado perante o choque de suas paixões. A morena não acreditava no que tinha acontecido. Chorando, ligou para a vizinha casa dos irmãos.

- Tião me bateu!

Os três irmãos, todos caddies, logo chegaram à casa da irmã agredida, suando e bufando. Tião se viu rodeado pelos três homens, um dos quais de mais de 1,90 metros de altura.
Você deu um tapa na Reila? - perguntou o grandalhão.

Tião achou que estava pronunciando suas últimas palavras quando respondeu:
- Sim, bati nela...

Quase sem voz, agregou:
- Dei um tapa na sua irmã porque ela jogou fora todas as minhas bolas de golfe.

Os três irmãos se viraram para a morena:
- Você está louca...como fez uma coisa dessas, gritou o mais velho.
- Se fosse comigo te jogava pela janela, sentenciou o menor.

Um segundo depois, os quatro saíram correndo ladeira abaixo para recolher a maior quantidade possível de bolas, disputando com as crianças do bairro.

A morena ficou sozinha na sala, petrificada. Tinha a bochecha esquerda ardendo e lágrimas nos olhos. Sabia que o perdão demoraria, mas seria inevitável. Esses quatro homens, seus amores, seus afetos, eram de outro mundo chamado golfe.

Até aqui cheguei

Mas um dia tive que me despedir do golfe.

Foram várias décadas de viver o golfe, desfrutar de belos momentos em companhia de pessoas admiráveis, de percorrer cenários maravilhosos em todos os continentes, de participar de torneios fantásticos, de transmitir e compartilhar emoções com milhares de leitores.

"É o jogo da vida" definiu, com toda propriedade, o ex-presidente Bill Clinton, no topo do poder mundial.
Como jogador, eu tive alguns fugazes momentos de glória. Confesso que não merecia essa generosidade, considerando o jogo errático de quem nasceu mais para contar histórias que para preencher bons cartões de resultados. Viajei muito com o golfe. Boa parte da Europa, Estados Unidos, Guiné Equatorial, África do Sul, Malásia, vários países latino-americanos e por uns 100 campos espalhados pelo Brasil.

Como escritor, jornalista, ou colunista de golfe eu tive o privilégio de ter colaborado para alem da Gazeta Mercantil para El Heraldo de Miami, as revistas Golf & Turismo, Forbes Brasil, Golf Digest Brasil, Adega, New Golf, Golfe+, com artigos e entrevistas reproduzidos nos sites da CBG e federações estaduais, Jornal do Golfe, Blogolfe e APG, além do portal Golf Empresas.

Sempre tive valioso retorno dos leitores que apreciam informação correta. Escrevi dois livros relacionados ao Golfe: Tacadas de Vida e Liderança e Golfe. O exercício da comunicação me permitiu conhecer todas as molas que movem o esporte.

Como palestrante, colocando o golfe como elemento de capacitação, falei para platéias de executivos e funcionários de diferentes instituições, grandes, medias e pequenas empresas. Fui afortunado com esse trabalho ao trazer para esse esporte alguns patrocinadores e dezenas de novos jogadores.

Também integrei diretorias de federações e clubes, equipes que preparavam grandes torneios profissionais e amadores, em diferentes campos do país. Organizei, em Brasília, o primeiro torneio noturno da história do golfe brasileiro. Vivi o golfe intensa e amplamente.

Quando quebrei o menisco medial do joelho esquerdo tive de parar. O joelho esquerdo funciona como eixo fixo para o giro do corpo para dar a tacadas longas. Nesses dias, também parei de escrever sobre golfe. Já tinha dado o melhor que eu podia dar ao golfe. A vida é feita de capítulos.

Imagem: Autumn Swing, Linda Marino




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