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Hechos y delirios
Capitulo 13 - Narcotráfico

05/10/2022 00:00




­Capitulo 13 - Narcotráfico   (1987)

A guerra contra as drogas está perdida, sendo imperativas outras estratégias além da pura repressão como arma central.

Eu fiquei  dez anos na OEA, três anos em Washington como porta-voz e diretor de Informação Pública da OEA e sete anos como representante do organismo regional em Brasília.

Acompanhei de perto o tema das drogas ilegais e desde a sua criação as atividades da Comissão Interamericana de Entorpecentes para enfrentar esse flagelo que destrói tantas vidas. Na minha ótica, a repressão foi priorizada sobre outras alternativas que poderiam aliviar a situação, na maioria dos países.

É comum o argumento que nunca foram apreendidas tantas drogas como agora. Também nunca se produziram, contrabandearam ou venderam tantas drogas como agora. A percentagem de apreensões de drogas sobre o traficado se mantém faz anos.

Aprendi um pouco das várias fórmulas de produção, distribuição, repressão, acompanhando essa Comissão. Sei que após um quarto de século as drogas ilícitas continuam como um dos mais graves problemas, sociais e sanitários. Mais ainda como ferramenta para o crescimento da corrupção em diferentes círculos pelo imenso volume de recursos financeiros envolvidos.

Fruto da convivência e intercâmbio com os especialistas, experiência em campo, e acompanhamento cuidadoso da informação nesse setor, permito-me compartilhar as minhas conclusões. Na América Latina, a guerra contra o narcotráfico está perdida.

Num seminário organizado pelo departamento da Polícia Federal, em Brasília, fiquei realmente preocupado pelas francas respostas de um especialista da DEA dos Estados Unidos.

Um agente na repressão às drogas perguntou:"Se tivéssemos sucesso completo na repressão à cocaína, venceríamos a guerra?". Imediatamente os canais de vendas e financiamento, utilizados pelo tráfego de cocaína, seriam preenchidos por drogas sintéticas, como já aconteceu quando houve diminuição na oferta dessa droga, foi à resposta.

Lembrei-me dos Estados Unidos na guerra de Vietnã. O presidente Nixon perguntou ao Secretário de Defesa Robert McNamara se duplicando o número de bombardeios e efetivos finalmente a guerra poderia ser ganha. Não, foi à resposta. Se quadriplicarmos os bombardeios e efetivos? Também não. A conclusão do presidente, com apoio do Secretário de Estado Henry Kissinger: Se não podemos ganhar vamos pular fora. Primeiro foi um cessar fogo, depois uma negociação diplomática e por fim a paz.

As perguntas: a) Faz quantos anos que começou essa guerra contra o narcotráfico? b) Quanto custa em vidas e dinheiro? c) Alguma data previsível para o fim? As respostas: a) Muitos b) Muito c) Nenhuma.
Na minha modesta opinião, deve ser procurada uma paz negociada nos melhores termos possíveis. Ou seguiremos no caminho do fracasso como aconteceu com a Lei Seca ou Prohibition inserida como emenda 18 da Constituição americana.

Só para relembrar, a Lei Seca entrou em vigor em 1920. A lei proibiu a fabricação, comércio, transporte, exportação e importação de bebidas alcoólicas. Ao invés de acabar com o consumo de álcool, a lei gerou o aumento da corrupção e a desmoralização de autoridades, explosões da criminalidade em diversos estados e o enriquecimento das máfias, que dominavam o contrabando de bebidas alcoólicas. Perante o estrondoso fracasso a Lei Seca foi revocada em 1933.

Teria sido mais fácil criar altos impostos sobre as bebidas e subsidiar camponeses produtores de matérias primas, ou compensar financeiramente aos que deixassem de produzir Bourbon, o mais emblemático das bebidas alcoólicas de então.

Que coisas terríveis aconteciam faz um século...

Ponto básico: Lei da oferta e da procura. Corresponde ao país onde falhou a aplicação da Lei Seca, realizar o maior movimento. Com prevenção e educação na sua população poderia diminuir, em forma sensível, o consumo. As verbas? Parte dos bilionários recursos que são utilizados na repressão e preparação de militares de países latino-americanos com esse mesmo objetivo. 

Sem perspectivas de vitória completa, porém, seria um grande passo, com positivo impacto na região latino-americana.
 
Poderia existir algum tipo de subsidio  aos camponeses para plantar milho no lugar de coca, matéria prima da cocaína. Poderia ter havido a regularização das drogas menos nocivas, com pagamento de impostos, controle e fiscalização sanitária dos produtos por parte do Estado. Punições e condenas a serem cumpridas pelos infratores, sem chicanas legais que eram e continuam sendo utilizadas pelos importantes escritórios de advocacia contratados com o farto dinheiro das drogas proibidas.

Um ponto central e vital: O Estado deve estar sempre e positivamente presente nas periferias sociais da sociedade, ou seja, com serviços de saúde, educação, segurança e com programas efetivos para criar empregos. Se o Estado é omisso os traficantes ocupam esses espaços, pagando remédios e médicos, bancando quadras esportivas e reuniões sociais.

O caso mais emblemático foi Pablo Escobar, megatraficante, que durante anos foi uma das pessoas mais influentes na política colombiana. Em Medellín era realmente popular pelas suas obras sociais, construção de campos de futebol, casas populares e hospitais. Via de regra, as populações carentes nunca perguntam a origem dos recursos que diminuem seu sofrimento.

Também tinha uma enorme participação no financiamento de campanhas de políticos cobrando cruelmente qualquer movimento que conflitasse com os seus negócios. Calcula-se que a demanda americana, nessa época de poder máximo do Escobar, aportava em dólares, cinco por cento das divisas da Colômbia.  

Pablo Escobar levou a sua guerra até o fim, quando começo a ver que poderia perder o seu poder, primeiro para o grupo de narcotraficantes de Cali, segundo quando teve certeza que o candidato a presidente Luis Carlos Galán, se eleito, aprovaria a extradição de envolvidos com a exportação de cocaína para os Estados Unidos.

Escobar foi o autor intelectual da explosão de uma aeronave da Avianca com 107 passageiros a borda, com tudo, para isso com a colaboração de um setor da guerrilha. Invadiu a Corte Suprema, episodio que, com a posterior contraofensiva de forças militares, deixou uma centena de mortos. Seus pistoleiros mataram a Galán, que se encaminhava para a vitória nas eleições marcadas para escolher o presidente colombiano para o período 1990-1994.

Finalmente, Escobar foi morto numa operação coordenada entre agentes americanos e forças militares colombianas, em 1988. Uma batalha vencida numa guerra perdida.

Acabou o narcotráfico? Não, somente cresceu com a multiplicação de grupos, assim como o número diário de mortes no continente pelo enfrentamento entre cartéis e a repressão; é a resposta.
A guerra está sendo perdida. Acredito firmemente numa outra solução que não seja pura repressão, necessária porem nunca a solução central. Com muitas armas e hipocrisia, pouco ou nada foi ou será resolvido.

Imagem: Surrealista, Unknown


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