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Hechos y delirios
Capitulo 12 - O Challenger e América Central

05/10/2022 00:00




­Capitulo 12 - O Challenger e América Central    (1986)

Jamais esquecerei essa tragédia espacial, pela sua dimensão, por ter sido uma dura prova, como porta-voz da OEA

O Itamaraty me tratou sempre com grande respeito profissional. Em 1982, no retorno da cobertura da Guerra das Malvinas e da Copa Mundial de Futebol na Espanha, esse tratamento do qual me orgulho, continuou. E foi mais longe.

O único brasileiro eleito como Secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o embaixador João Clemente Baena Soares, me convidou a ser seu porta-voz e diretor de Informação Pública em Washington.

Baena Soares ocupava o mais alto cargo já preenchido por um brasileiro na hierarquia da diplomacia internacional, até esse dia. "É uma decisão profissional", me explicou.

Que honra ter como chefe um dos homens mais brilhantes do continente! Mas também eu ia ficar do outro lado do balcão numa posição que podia impactar a credibilidade que tinha conquistado como jornalista. Credibilidade se perde somente uma vez.

Fiz uma exigência, precisava saber de tudo. Comprometi-me a falar com a imprensa apenas o que fosse autorizado. Nada mais triste que um porta-voz desinformado.

Baena Soares facilitou a missão, administrando com integridade e imparcialidade política, sempre respeitando todos os profissionais da imprensa e seu porta-voz. Joguei sempre limpo com os colegas. Quando sabia e o chefe autorizava, contava. Quando não podia não contava. Todos sabiam que o secretário-geral não tinha segredos para o seu porta-voz, mas também que essa confiança nunca seria traída.

Deu certo, Baena Soares foi reeleito, e tal como aconteceu na primeira eleição por unanimidade e com uma imagem internacional de destaque. Lógico, não era fácil o percurso e para seu porta-voz, com alguns sustos monumentais.

A explosão da nave espacial Challenger ainda é uma das maiores tragédias da exploração espacial. Passaram-se mais de 35 anos, porém, milhões lembram a explosão do Challenger, transmitida ao vivo pela televisão. Morreram os sete astronautas que viajavam na nave espacial.

Eu jamais esquecerei, não somente pela tragédia, mas também por ter sido a mais dura prova da minha carreira como porta-voz.

Pelo meu trabalho eu acompanhava todas as viagens do embaixador João Clemente Baena Soares para repassar informações à imprensa, prever ou reagir a perguntas buscando ser o mais fiel possível ao pensamento e as ações desse profissional da diplomacia.

Em 27 de janeiro de 1986 pedi ao meu chefe para não ir com ele a Miami, onde o secretário-geral pronunciaria no dia seguinte uma palestra sobre a situação na América Central. Eu tinha muita coisa atrasada, já que também eu era o Diretor de Informação Pública do organismo regional. Na manhã do dia 28 de janeiro liguei a TV no meu escritório no anexo do histórico Panamerican Union Building para assistir o lançamento do ônibus espacial.

A temperatura no Centro Espacial Kennedy, Flórida, estava muito abaixo do ideal para o lançamento, e os engenheiros da missão avisaram seus superiores sobre os riscos das baixas temperaturas. Após um curto retraso, o lançamento ocorreu às 11 horas e 39 minutos.

Passados 73 segundos do lançamento, a espaçonave explodiu. A imagem dos fragmentos do Challenger contrastavam como o azul do espaço dando inequívoca mensagem que a tragédia havia acontecido. A NASA logo informou que ninguém sobreviveu.

Após o choque, com a cabeça fria de correspondente, enxerguei a oportunidade ímpar de máxima divulgação de uma positiva mensagem política.

Passou-me pela cabeça o que disse um veterano piloto de F-1 conhecido por vencer várias vezes em provas com chuva. "Quando a maioria levanta o pé, eu acelero mais"

Uma mensagem na qual coincidiriam todos os governos dos países membros, de direita, esquerda, centro, ditaduras, pseudodemocracias, pró e antiamericanos, tendo como mensageiro o Secretário-Geral do organismo interamericano.

Seria uma mensagem de solidariedade ao presidente Ronald Reagan pela trágica perda de vidas humanas e para a ciência espacial, em nome de todos os estados do continente americano.

Várias vezes tentei a comunicação com o meu chefe na Universidade, no aeroporto de Miami (nessa época ninguém tinha telefone celular). Devia agir rápido porque sabia que toda notícia de impacto no mundo requer reações imediatas. Teria uma repercussão formidável na televisão, agências de notícias, rádios, jornais e outros meios de comunicação.

Redigi uma breve e direta mensagem de solidariedade onde o Secretário Geral se dirigia ao presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, em nome dos trinta e quatro estados membros da OEA. Se ele estivesse em Washington eu estava certo de que faria isso. Somente que ele não estava.

Pedi ao chefe de imprensa Miguel Frankenfeld que enviasse a mensagem à Casa Branca e a todos os meios de comunicação, sem um único comentário. Sempre busquei trocar ideias sobre temas relevantes com o meu colega e amigo Enrique Durand, que então dirigia a revista Américas da OEA, e que estava a poucos metros da minha sala. Mas dessa vez não.

Vivi a solidão das grandes decisões.

Poucos minutos de enviada a mensagem, praticamente todos os canais de TV dos Estados Unidos, Televisa do México, TV Globo do Brasil, Canal Siete da Argentina, entre centenas de outros, reproduziam a mensagem que eu tinha enviado em nome do secretário-geral, acompanhada de repetições da comovente imagem da nave espacial convertida em pequenos fragmentos e fumaça, espalhados no espaço.

Uma mensagem de máxima divulgação continental em nome do Secretário Geral, porém, sem a sua autorização nem conhecimento.

No fim da tarde fui ao National Airport para receber a Baena Soares. Eu sabia que tinha quebrado o primeiro mandamento de um porta-voz: falar ou escrever sem estar combinado com o chefe. Nada disso tinha acontecido e num assunto de gigantesca repercussão mundial.

Alea Jacta Est! Eu deveria comunicar-lhe a minha renúncia imediata, pensei.

Não deu tempo para eu falar. Ao chegar junto a mim Baena Soares me olhou fixamente, e com um sorriso, comentou: "Finalmente você fez alguma coisa para justificar o teu salário".
América Central

Nicarágua

Nesses anos, o governo de Ronald Reagan executava uma agressiva política contra o regime sandinista na Nicarágua estabelecido após a ditadura de Anastásio Somoza.

Em 1984, a Nicarágua denunciou o governo dos Estados Unidos na Corte Internacional de Justiça. As queixas apresentadas incluíam: violação da soberania nacional, incursão nas águas e sobrevoos do espaço aéreo nicaraguense, treinamento, armas, munições, financiamento, assistência, direção e outras maneiras de auxílio ao chamado grupo Contra.

Em 1986, a Corte Internacional de Justiça pronunciou-se a favor da Nicarágua, em virtude da comprovada violação do Direito Internacional por parte dos Estados Unidos.

Em meio á tensão nos tribunais internacionais houve um incidente na fronteira entre Nicarágua e Costa Rica, único país do continente sem Exército. Os Contras tinham um acampamento do lado costarriquense do riacho que forma uma parte de fronteira. Pela manhã, atravessavam pela água, realizavam incursões contra objetivos da Nicarágua e pela tarde retornavam ao seu acampamento. Mercenários que, burocraticamente, cumpriam suas tarefas das 9:00h as 17:00h.

Um dia, as forças sandinistas abriram fogo e balas mataram um guarda civil da Costa Rica que estava no acampamento dos contras. O porquê esse guarda civil estava ali, ninguém explicou. Foi uma a oportunidade para uma reação de Washington. Reagan foi à TV, num domingo, pela noite.

Reagan citou erroneamente a Carta da OEA para justificar, de forma legal, a sua inclinação por uma ação direta na Nicarágua. Ele quis se referir ao Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, que teoricamente poderia abrir - numa interpretação forçada do Pacto - alguma uma brecha jurídica para uma ação direta. (O TIAR não havia sido lembrado pelos americanos durante a Guerra das Malvinas, quando a citação poderia ter mais consistência legal já que um país extracontinental estava em conflito com uma nação do hemisfério).

Sabia que o imbroglio criado por Reagan ao citar erroneamente a Carta, ia sobrar para o porta-voz do organismo. Não é salutar desmentir diretamente o presidente dos Estados Unidos, em Washington. Dormi pouco essa noite, porém ao amanhecer enxerguei uma saída.

No briefing da segunda-feira para os jornalistas, surgiu a pergunta se a carta da OEA possibilitaria uma intervenção na Nicarágua. Respondi que não tinha competência suficiente para interpretar a Carta Magna da instituição. E, ato contínuo, entreguei um exemplar da carta a todos os jornalistas para que tirassem suas conclusões. Em cada exemplar estava marcado o artigo 19.

O artigo 19 da Carta da OEA estabelece que: "Nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro. Este princípio exclui não somente a força armada, mas também qualquer outra forma de interferência ou de tendência atentatória à personalidade do Estado e dos elementos políticos, econômicos e culturais que o constituem".

Quando os jornalistas tiraram as suas conclusões, a mira foi a Casa Branca. O porta-voz do presidente Reagan devia dar explicações. O porta-voz da Secretaria Geral da OEA respirou aliviado. Durou pouco.

A OEA aprovou a criação de uma comissão para verificar o incidente na fronteira entre Nicarágua e Costa Rica. A comissão de verificação foi formada pelos integrantes do Grupo de Contadora e o Secretário Geral da OEA. Cheguei a San José e fui registrado entre os participantes, como assessor do Secretário General. Alguém lembrou que tinha essa missão em Washington e acabei sendo porta-voz da comissão em São José. A missão foi menos difícil, paradoxalmente, pela censura.

Para o briefing diário com os jornalistas sobre as reuniões reservadas, eu redigia um comunicado que deveria sintetizar o acontecido a portas fechadas. O comunicado passava pelo crivo dos chanceleres e do Secretário primeiro, para ser autorizado. O zelo desse crivo deixava o documento, base para o briefing, mais censurado do que o Pasquim dos tempos duros.

A recepção diária à imprensa era realizada pela tarde nos jardins do Hotel Cariari de San José. Palmeiras tropicais, um vale verdejante à distancia. Escolhi o local para ser o palco onde lia os comunicados, frequentemente de pouca substância pela delicada da situação, porém, mas a beleza da Natureza ajudava. 
As equipes da TV, pelo menos distraiam os telespectadores com tomadas do privilegiado cenário, dispersando a atenção do telespectador para a falta de conteúdo de impacto. Com o passar dos dias, os chanceleres e o Secretário Geral passaram a conceder cuidadosas entrevistas e tudo acabo em paz.

Na minha missão em San José, devo confessar como porta-voz, fui mais ?porta? do que ?voz?, mas sei que ajudei a proteger o trabalho de uma comissão que, diplomaticamente, baixou a temperatura do clima bélico na America Central.

A explosão do escândalo "Irangate" ou "irã-Contras" acabou com a possibilidade de intervenção na Nicarágua, dominada pelos sandinistas. Foi provado que o governo Reagan vendera armas ao Irã, o que era proibido pelo Congresso, e encaminhara os recursos resultantes da venda para os mercenários "Contras".

Mais tarde, as primeiras eleições nicaraguenses em anos tiveram os observadores da OEA para legitimar o resultado internacionalmente e apoiar, assim, a precária paz regional conquistada. A vitória nas urnas foi do líder sandinista Daniel Ortega, resultado aceito por todos os grupos políticos da Nicarágua.

Nesses dias, o principal assunto político da agenda da OEA naquela época era recuperar a confiança da castigada região para conduzir processos de pacificação. Como privilegiada testemunha desses fatos, acredito que, o objetivo foi conquistado.

Após governar por vários anos, Ortega optou pela perpetuação no poder. A perpetuação no poder nunca deu certo em qualquer país do mundo, ao longo da História.

Imagem: Challenger, NASA Space Art


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