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Hechos y delirios
Capitulo 7 - Em Washington, perto de Vietnã

05/10/2022 00:00




­Capitulo 7 - Em Washington, perto de Vietnã   (1971)

Na capital americana, choques frequentes entre manifestantes e a polícia. A TV mostrava a chegada de corpos de soldados para serem enterrados

Tem processos que acontecem com todas as nuances da magia, como a minha ida para Washington para ocupar o cargo de correspondente principal do serviço latino-americano da Reuters. Eu tinha 27 anos e ainda com pouca bagagem para tamanha missão.

O gerente geral da Latin-Reuters, o uruguaio José Maria Orlando, sabia disso. Porém ficou sem opções quando esse cargo ficou vago com a saída de Rodolfo Schmidt para ser chefe de imprensa do Banco Mundial e os outros três candidatos naturais não aceitaram por razões familiares ou de saúde.

"Não tenho outra opção que te oferecer esse posto. Pensa bem... sei que será muito duro. Daqui a duas horas te telefono novamente para saber da tua decisão". Assim foi o tom da rápida conversa. Aceitei. Depois pensei. Temos de acreditar no nosso instinto.

Em Washington, ação desde o primeiro minuto, por exemplo, o começo do fim da Guerra de Vietnã. Os parques de Washington eram cenários de gigantescas manifestações para que os Estados Unidos deixasse essa guerra. O movimento era liderado por ex-combatentes e por muitos hippies, que depreciavam o American Way of Life e, propunham uma sociedade pacifista com total liberdade sexual e aberta a experiências químicas para aumentar a percepção da realidade.

Os bombardeiros americanos utilizavam bombas incendiárias, Napalm e armas químicas como o Agente Laranja, para destruir a vegetação que ocultava os vietcongues. Mais de um milhão de mortos registravam as horripilantes estatísticas. Era inegável que a cada dia o governo do Norte ficava mais forte e popular e o do Sul, apoiado pelos Estados Unidos, a cada dia mais fraco e corrupto.

Na capital americana eram frequentes choques entre manifestantes em prol do fim da guerra e a polícia. Diariamente a TV mostrava a chegada de corpos de soldados americanos para serem enterrados perto dos seus familiares ou mutilados. As imagens da destruição da Natureza, o sofrimento de camponeses, a dor das famílias versus os pífios resultados obtidos pela aventura bélica da grande potência ocidental evidenciava o absurdo da situação.

Em 1967, o Tribunal Internacional de Crimes de Guerra, posteriormente conhecido como Tribunal Russell, tinha condenado os Estados Unidos por crimes contra a Humanidade na Guerra do Vietnã, após meses de trabalho interrogando vitimas, examinando provas.

O tribunal foi presidido pelo filósofo Jean-Paul Sartre e integrado por vinte e cinco notáveis, entre outros: Simone de Beauvoir, Julio Cortázar, Miguel Angel Estrella, Lázaro Cárdenas, Peter Weiss, Sara Lindman, Shoishi Sakata.

A repercussão mundial dos trabalhos do Tribunal Russell tinha e colocado mais pressão sobre o governo americano e proporcionado os elementos concretos para sustentar a força humanista das passeatas e manifestações.

Nas manifestações assisti a comoventes discursos de veteranos e mutilados da guerra pedindo paz imediata, com apoio de milhares de hippies. Sobre os hippies ou integrantes desse movimento contra-cultural, um dado perturbava em Washington. A maioria desses hippies tinha nascido de famílias das classes mais altas americanas, com boas universidades e ricas igrejas. Não faltava para eles nada material, mas algo espiritual. Os hippies pediam "paz e amor".

Não foi paz nem paz e amor, porém foi bastante quando em janeiro de 1973 foi assinado um cessar-fogo. Na prática, significava a retirada americana do conflito. (O Vietnã do Norte venceu a guerra e o país asiático foi unificado, em 1975).

Havia também passeatas pela legalização da maconha. O argumento mais forte era que fumar erva nada era perante a matança de tantos seres humanos no mundo pela guerra e a fome. Esse ponto na agenda mundial continua em aberto em vários países, passado meio século dessa experiência na "Roma dos Tempos Modernos", como definiu um embaixador sul-americano.

Não entrei na polêmica. Somente fiz o trabalho de jornalista. Entrevistei um líder nessas passeatas, aluno da Georgetown University. Impressionou pela sua preparação e conhecimento da história latino-americana. Estabelecemos um bom relacionamento. O ativista incendiava com seus discursos e o jornalista tinha uma excelente fonte de informação.

Onze anos depois, pelas mágicas voltas da vida, nos reencontramos. Convidou-me a uma festa na sua casa em Bethesda, Maryland, localidade vizinha a Washington. Bethesda é uma das comunidades mais ricas dos Estados Unidos.

Quando cheguei à sua mansão deslumbrante resultava difícil associar o jovem ativista de cabelos compridos que conheci à frente das passeatas com esse homem tão bem inserido no American Way of Life. Ele percebeu.

Pegou-me pelo braço e me contou que era um grande consultor de fundos para investimentos na América Latina. "Sei o que você deve estar pensando, mas cansei de apanhar, de estar na primeira trincheira... É a vez de outros assumirem", disse. Rindo confessou "juro que nunca votei no Partido Republicano (Conservador)...". A festa seguiu alegremente.

Em Washington, conversei bastante com Orlando Letelier, o carismático embaixador chileno na capital americana. Letelier alertava sobre as sabotagens ao governo socialista de Salvador Allende.

Quando as forças armadas chilenas derrubaram o regime de Allende foi instaurado um comitê no Senado americano para verificar se as atividades da I.T.T. contribuíram para a queda de Allende. Tudo indicou que 10 milhões de dólares tinham ido para o sindicato dos caminhoneiros para financiar uma greve que prepararia psicologicamente a população para aceitar um golpe militar.

Letelier foi assassinado em Washington aos 44 anos, com uma bomba no seu carro junto a sua secretaria americana, Ronnie Moffit, em 1976. Nos meses que precederam o seu assassinato, Letelier trabalhou num centro de pesquisas na capital americana e permaneceu como uma voz ouvida na capital americana sobre a situação do Chile.

Anos depois se comprovou que o atentado foi planejado pelo general Manuel Contreras e o coronel Pedro Espinoza, do serviço de inteligência de Augusto Pinochet. Os dois foram condenados em 1995 como autores intelectuais do assassinato, executado por dois suboficiais chilenos e um agente americano que trabalhava para a Dirección General de Inteligencia (DINA), Michael Towlney.

Esse agente nascido no estado de Iowa também participou do assassinato do general chileno Carlos Prats e sua esposa, em Buenos Aires, em 1974, porem não foi extraditado para Argentina, para ser julgado.

Imagem: Vietnam, Reuters



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