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O calcanhar das ditaduras - Silvia Caetano

11/12/2022 00:00




­O calcanhar das ditaduras

Por Sílvia Caetano **  (de Lisboa)
Ao contrário dos democratas, ditadores não podem ser removidos do poder pelo voto. Nas democracias, se um governo é impopular, políticos adversários conseguem ser eleitos com a promessa de livrarem-se dele e dos seus malefícios. Foi o que acabou de acontecer no Brasil. Infelizmente, o mecanismo do voto inexiste
nas ditaduras.

Muitas páginas já foram escritas sobre como morrem as democracias, título do livro de Steven Levitsky e Danil Ziblatt, mas pouco sobre como acabar com as ditaduras. Estudiosos do assunto admitem que elas estarão sempre presentes no mundo, mas acreditam ser possível enfrentá-las com a não violência, como vem
acontecendo em alguns países.

Levantamentos realizados pela Freedom House, ONG sediada em Washington, indicam haver atualmente 106 ditaduras no mundo, totais ou parciais. Seriam 49 as mais radicais. A entidade contabiliza 18 na África Subsaariana, 12 no Oriente Médio e Norte da África, 8 na Ásia/Pacífico, 3 nas Américas e apenas uma na Europa, a Bielorrússia.

Na única ditadura no espaço europeu, há 28 anos Alexander Lukashenko -apoiador e fantoche de Putin-, permanece agarrado ao poder. Contudo, desde 2020 ele enfrenta protestos pacíficos contra a eleição fraudulenta que lhe atribuiu um sexto mandato. Até agora tem conseguido se aguentar, -sobretudo pelo apoio oferecido por seu congênere russo-, mas não se sabe até quando.

Estudo conduzido por uma pesquisadora norte-americana mostrou ser necessário 3,5% da população protestarem para conseguir mudanças no regime do seu país. Infelizmente, esse percentual ainda
não foi alcançado nas manifestações da Bielorrússia nem em outras ditaduras.

A cientista política de Harvard, Érica Chenoweth, que se dedica a estudar movimentos de resistência civil não violentos, argumenta que tinham duas vezes mais chances de sucesso se fossem pacíficos. A violência reduz a base de apoio de um movimento, enquanto muito mais pessoas se unem ativamente nos protestos pacíficos, que oferecem menor risco, requer menos capacidade física e nenhum treinamento. Essa circunstância já está sendo levada em consideração pelas populações revoltosas em algumas ditaduras.

Protestos não violentos estão em curso no Irã. O regime tem sido alvo de contestações desde o assassinato, no dia 16 de setembro, da jovem Mahsa Amini, que estava sob custódia policial acusada de não ter coberto adequadamente seus cabelos com o hiyab. Calcula-se que a repressão armada já tenha provocado mais de 500 mortes, incluindo 43 crianças, detido cerca de 18 mil pessoas e ferido centenas, mas os protestos continuam.

Em apoio aos manifestantes, os jogadores da seleção nacional iraniana na Copa do Catar protestaram pacificamente. Ficaram em silêncio durante a estreia na Copa enquanto o hino nacional do país
ecoava no estádio. Imediatamente, o regime ameaçou suas famílias com represálias. Mas uma pequena vitória já pode ter sido alcançada com o pacifismo: o Presidente iraniano, Ebrahim Raisi, afirmou que ?os
métodos e mecanismos para executar a Constituição podem ser alterados e melhorados?. Enquanto o Procurador-geral do Irã, Mohamad Jafa, anunciou possíveis mudanças na polícia da moralidade.
Manifestações não violentas ocorrem também na China, com a rebelião dos A 4, contra a política draconiana de confinamento de Xi Jinping. A ideia da folha em branco nasceu em Hong Kong, em 2020, quando a China acabou com a política de "um país, dois sistemas", e impôs nova lei de segurança que proibiu protestos.

As atuais contestações, as primeiras desde o massacre, em 1989, na praça da Paz Celestial - ironia das ironias - chamada Tiananmen, quando foram mortos centenas de estudantes que clamavam por
reformas democráticas, espalharam-se pelo país Para esvaziá-las, Xi Jinping flexibilizou algumas regras do lockdown obrigatório, - uma pequena conquista dos manifestantes-, mas continua a esmagá-las com força. Ele não permitirá que os protestos ultrapassem uma exigência social sobre o isolamento das pessoas
para se transformarem numa contestação política ao regime.

O regime não vai cair e não se sabe o que vai acontecer, mas o recado foi dado. Jinping deve ter tomado um banho de realidade. A população começa a demonstrar cansaço diante da falta de liberdades imposta com mão pesada pelo regime. E o cenário complica-se. A China enfrenta um período economicamente problemático, não só internamente, mas com a grande competição dos Estados Unidos e a
pressão da União Europeia, seus principais parceiros comerciais. O Banco Mundial reduziu a previsão de crescimento do país, neste ano, de 4,3% para 2,8%, por conta das medidas contínuas para conter a
covid-19.

A China montou um sistema de controle eletrônico dos cidadãos que causa inveja a todas as ditaduras. Mas não consegue fazer o mesmo com a mídia estrangeira que trabalha no país e impedir a proliferação de imagens e mensagens nas redes sociais, o que possibilita ao mundo saber o que se passa no país.
A suposta invulnerabilidade das ditaduras remete ao mito do guerreiro Aquiles, que segundo a lenda não poderia ser ferido, atacado ou morto. Para torná-lo imortal, sua mãe, a ninfa Télis, o havia imergido nas águas mágicas do Rio Estige, um dos que banham o inferno. Antes de mergulhá-lo, a ninfa o segurou por um dos seus calcanhares, única parte do seu corpo a não receber proteção do rio da invulnerabilidade, ficando por isso com esse ponto fraco. 

Já adulto, o herói da Ilíadas de Homero sentia-se todo poderoso e enfrentava com destemor seus inimigos, que não conseguiam atingi-lo. Até que um dia, na Batalha de Tróia, informado sobre o ponto frágil de Aquiles, o filho do rei da Etiópia, Páris, disparou uma flecha envenenada contra seu calcanhar e o matou. Assim, surgiu a
expressão "Calcanhar de Aquiles" para indicar a vulnerabilidade de pessoas, instituições ou governos, pois todos as possuem.

Em seu livro "Da Ditadura à Democracia", Dartmouth Gene Sharp, Professor da Universidade de Massachusetts, afirma que o princípio se aplica às ditaduras. Ele assegura que elas também podem ser
derrotadas, porém mais rapidamente e com menor custo se seus pontos fracos forem identificados e combatidos. Este é o trabalho a ser feitos por todos nós, opositores das ditaduras.

** Silvia Caetano, jornalista
Imagem Achilles heel - Pinterest 


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