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A anacrônica monarquia - Silvia Caetano

09/05/2023 00:00




A anacrônica monarquia 
Por Sílvia Caetano
LISBOA - O rei Carlos III seguiu ao pé da letra o conselho dado pelo jovem Tancredi ao seu tio, o príncipe de Salinas, Don Fabrizio Corbera, no romance El Gattopardo, escrito em 1954 pelo também príncipe de Lampedusa, filho da dinastia de Palermo, Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Tancredi explicou ao tio que para que tudo fique como está, é preciso que tudo mude.

Era então uma época de grandes atribulações políticas e sociais do processo de unificação da Itália, deflagrado por Garibaldi e o príncipe de Salinas se vê em meio ao dilema de sobreviver ao movimento revolucionário. Ou se ambientava e se juntava aos novo ethos romântico da classe burguesa que, naquele momento, em 1860, se tornava protagonista, ou seria tragado pela nova ordem, perdendo as características da vida aristocrática.

O romance narra como a aristocracia da época se adaptou para sobreviver às transformações sociais, a exemplo do que ocorre atualmente com a monarquia no Reino Unido. De uma certa forma, o príncipe rebelde Harry lembra o príncipe Tancredi, que se juntou aos revolucionários garibaldinos e, portanto, virando-se contra a aristocracia. Harry não se juntou a insurgentes, mas foi viver longe dos palácios do pai, entre plebeus.

Carlos III adaptou as instruções de Tancredi para proteger de críticas sua dinastia. Não introduziu qualquer modificação na estrutura que lhe assegura riquezas e privilégios. Limitou-se a reescrever a coreografia da sua coroação para apresentar-se como um príncipe contemporâneo. Reduziu a lista de convidados de 8.000 para 2.000, substituiu a nobreza britânica por representantes da sociedade civil - mas convidou outras cabeças coroadas - incluiu um coral gospel na cerimônia, encurtou o rito e outras pequenas mudanças cosméticas.

Mas a verdade é que muito pouco mudou na celebração, que seguiu o roteiro escrito há mais de 600 anos no Liber Regalis, manuscrito medieval que contém os detalhes do rito. Em silêncio e com um ar lacônico, desfilou ao lado de Camila numa carruagem dourada de 260 anos, puxada por seis cavalos brancos, com arreios azuis, em direção à Abadia de Westminster, onde repetiram-se os antigos cerimoniais cobertos de pompa e de ostentação.

Patético foi o momento em que se escondeu atrás de um biombo azul bordado para ser ungido com um óleo dito sagrado - fez questão que fosse vegetal - para que seus súditos não vissem seu momento de comunhão com Deus. Seguiu-se uma parafernália de simbolismos da instituição, com a apresentação de esporas de cavalo, cetros, bastões com diamantes saqueados na época do império, a orbe dourado do soberano, trocas de roupas, culminando com a insólita aparição de Carlos trajando um roupão bordado a ouro dos seus antepassados.

A encenação terminou com o regresso ao Palacio de Buckingham na mesma carruagem dourada, para protagonizar "o momento varanda", com os novos reis ao lado de uma família mais reduzida em função das crises e brigas entre seus membros. Desafio que Carlos III terá de enfrentar, entre muitos outros.

Anacrônica, a cerimônia foi uma extravagante exibição de riquezas, frente a uma população que luta para ter acesso às necessidades mais básicas, enfrentando graves dificuldades econômicas desde o Brexit. Revelou também falta de empatia e de compreensão das dificuldades enfrentadas por aqueles que considera súditos, demonstrando a desconexão entre a monarquia e a realidade da maioria da população.

Nada disso passou impunemente para um grupo numeroso dos que se opõem à monarquia, com cartazes afirmando que Carlos III não é seu rei. E não é. Não foi eleito rei nem para representá-los. Sua coroa resulta de um acidente genético, como aconteceu com todos os seus antepassados. O rei não representa a população, mas sim suas famílias, com suas prerrogativas, vantagens, privilégios e extrema riqueza. A monarquia inglesa possui das maiores fortunas do mundo, com algumas fugas de impostos e contas offshores.

A monarquia não atende a princípios democráticos e é incompatível com uma sociedade justa e igualitária. É antidemocrática, cara, desnecessária e sustentada pelos altos impostos cobrados aos ingleses. É injusta. Promove a ideia de haver uns acima dos outros e de que há classes superiores e inferiores. Impulsiona a concentração de renda nas mãos de uma pequena elite, cujos recursos poderiam ser aplicados em favor de melhorias nas condições de vida do povo. 

Como Carlos III disse não ter vindo para ser servido e sim para servir, deveria começar por aí, redistribuindo sua imensa riqueza aos mais necessitados.
** Silvia Caetano é jornalista, correspondente em Lisboa
* Foto - Scott Garfint - Picture Alliance


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