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O contra ataque dos velhos - Guillermo Piernes

27/07/2023 00:00




O contra ataque dos velhos
   
Por Guillermo Piernes **

Sócrates faz muita falta para defender os velhos, cujas conversas saciavam a sede de conhecimento e sabedoria de grande filósofo grego. Ele se foi mas os velhos tem hoje forças para o contra-ataque. 

Vivemos na cultura do descarte, onde o "novo" busca ser apresentado como sinônimo de "melhor" e o "velho" como inútil. Não é tão simples assim.

É uma cultura materialista "que supervaloriza o sistema de produção e que vangloria o corpo jovem e produtivo, e de interesse principal que se retarde a todo custo a chegada da velhice, até o limite alcançado pela medicina, onde o velho passa a não servir mais", na magnífica definição da psicóloga Fernanda Ivanesciuc Braga.

"Percebe-se que a decadência da velhice tão disseminada socialmente é fruto da mente dos jovens", sintetiza a profissional brasileira num dos seus trabalhos acadêmicos. Na sociedade do descarte nos acostumamos a medir o tempo de forma utilitária.

O foco não deveria ser ampliarmos a vida, mas ampliarmos nossa consciência a respeito dela, pregava o prestigioso psicólogo americano James Hillman.

Alguns velhos lutam com coragem e altruísmo por uma sociedade mais justa e solidária ou por um meio ambiente preservado, sabendo que não desfrutarão de chegar esse momento. Outros descobrem passatempos ou mergulham nas músicas, livros, danças, cantos, pinturas que lhes foram furtados na juventude pelo tempo dedicado ao trabalho ou a família. Muitos aceitam a condena de serem colocados no quarto de despejo da sociedade.

Fato é que com a idade, o tamanho do cérebro diminui, perdem-se neurônios e a produção de hormônios e neurotransmissores se altera. A mudança mais importante é a perda de muitas conexões entre os neurônios, células de vida longa que não se dividem e, portanto, dificilmente se regeneram. Porém, também é fato que do processo de deterioração se alimenta a sabedoria.

A perda de conexões entre os neurônios traz uma simplificação da vida para os velhos. Diminui a ansiedade e a preocupação, por serem menos os detonadores desses distúrbios detectados pelo cérebro. Resulta mais fácil chegar ao ponto central das questões pelo menor número de opções apresentadas pelo cérebro e com um maior equilíbrio emocional.

Como os antigos tinham menos informação cientifica, criaram assim, com competência, o refrão: "O Diabo sabe mais por velho que por Diabo".

Para esses três grupos de velhos que me permiti definir perante a cultura do descarte, existe um caminho a ser percorrido paralela e naturalmente por todos: O caminho dos sonhos. Sim, os sonhos registrados no último ciclo do sono, a fase REM que dura em volta de vinte minutos.

Nos últimos anos da vida foi provada uma maior e significativa movimentação inconsciente de transformação do mundo interno. Os velhos sonham mais. Talvez seja a maior revolução de todas para os atuais, próximos e futuros velhos.

Sonhar é liberar a energia psíquica que busca o equilíbrio entre os valores defendidos ao longo da vida e os posicionamentos ou fantasias que deixaram de aflorar pela censura ideológica, social, cultural ou religiosa.

Nos sonhos desfilarão situações de riqueza e pobreza, lugares conhecidos ou imaginados, seres amados que estão ou que partiram das nossas vidas, trabalho, paixões e sexo. Em tempo, o Código Civil não pune os sonhos e Santo Agostinho defendia que eles não são pecados.

Sonhar será repassar inconscientemente as grandezas e miudezas da existência, chegar perto da própria essência, "ser cada vez mais quem somos" como descreveu a psicóloga brasileira Candice Pomi.

Sonhar será uma valiosa preparação para chegar com paz interior ao último e inexorável desafio das nossas vidas.

** Guillermo Piernes - Escritor, jornalista, diplomata, velho.
Pintura: Sueños - Dimitra Milán


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